sexta-feira, 1 de abril de 2011

Venho da terra assombrada

Venho da terra assombrada

do ventre de minha mãe
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém


Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci


Trago boca pra comer
e olhos pra desejar
tenho pressa de viver
que a vida é água a correr


Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder
minha barca aparelhada
solta rumo ao norte
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada


Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham
nem forças que me molestem
correntes que me detenham


Quero eu e a natureza
que a natureza sou eu
e as forças da natureza
nunca ninguém as venceu


Com licença com licença
que a barca se fez ao mar
não há poder que me vença
mesmo morto hei-de passar
com licença com licença
com rumo à estrela polar


António Gedeão, 1957.

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